Direito e Direito Sistêmico Comparado - Mirada Sistémica

Direito e Direito Sistêmico Comparado

Luciana Soares Buschinelli

Advogada e Administradora

Especialista em Direito Sistêmico pela Hellinger Sciencia

Expert em novas constelações familiares pelo INSCONSFA

O Direito é caracterizado pelo estudo das ciências jurídicas e sociais que compõe um sistema de normas, condutas e princípios criados pelo homem para regular as relações sociais de um determinado país ou jurisdição. É no meio social – conforme leciona Hermes Lima1 – que o “direito surge e desenvolve-se” para o fim almejado pela sociedade como, por exemplo, a manutenção da paz, a ordem, a segurança e o bem-estar comum; como condição de tornar possível a convivência e o progresso social. Estas normas, condutas e princípios se subdividem nos chamados “ramos” do direito, como por exemplo, direito penal, direito constitucional, direito de família, direito tributário, e assim por diante.

O Direito Sistêmico nasce no Brasil, através de experiências vivenciadas pelo magistrado baiano, Sami Storch,2 junto ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Está sendo construído como uma nova ciência, a partir do estudo da Filosofia Sistêmica Fenomenológica Transgeracional, observada e ordenada pelo Filósofo alemão, Bert Hellinger3. Sua metodologia é albergada pela Resolução 125/20104 do Conselho Nacional de Justiça que, visando o tratamento adequado para a solução dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário, passa a regular as variadas práticas a este título. Igualmente, encontra amparo junto ao advento da Lei 13.105/2015 5, ganhando força, como uma política de cultura de paz e valoração da dignidade humana. Assim e de caminho, não se cuida de um novo ramo do direito, mas de um modus operandi de resolução de conflitos, servindo como fonte na condução de novas percepções sobre o comportamento humano. Seu estudo e prática permitem que o seu operador desenvolva habilidades para lidar com conflitos subjetivos complexos, através de uma comunicação empática – OCE6 – observação, contemplação e escuta, que lhe permite reconhecer o problema que está por trás do problema e de olhar para uma questão sob diferentes perspectivas; habilidades criativas tanto na resolução dos conflitos, como na gestão de pessoas, auxiliando-as a se desenvolverem através da ampliação da consciência a fim de manterem relações sustentáveis; gestão adequada das emoções, auxiliando as pessoas a superarem dificuldades, com mais serenidade e sem perder o espírito de luta; habilidades para melhor servir7, mais adequada e responsável.

O Direito, decorrente da criação humana, está a serviço e é ordenado de acordo com os interesses comuns impostos pela sociedade. Tal fato torna-o dinâmico, exigindo que ele, à cada época, acompanhe os anseios e interesses da sociedade para o qual foi criado, como bem leciona Paulo Nader8: As instituições jurídicas são inventos humanos, que sofrem variações no tempo e espaço. Como processo de adaptação social, o direito deve estar sempre se refazendo, em face da mobilidade social. A necessidade de ordem, paz, segurança, justiça, que o direito visa a atender, exige procedimentos sempre novos. Se o direito se envelhecer, deixa de ser um processo de adaptação, pois passa a não exercer a função para qual foi criado. Não basta, portanto, o ser do direito na sociedade, é indispensável o ser atuante, o ser atualizado. Os processos de adaptação devem-se renovar, pois somente assim o direito será um instrumento eficaz na garantia do equilíbrio e harmonia social.

O Direito Sistêmico é, em sua essência, uma ciência viva que tem como objetivo ampliar a consciência humana acerca de como se ordena as relações humanas para que o amor flua e, com isso, floresça a felicidade, a harmonia, a saúde e a prosperidade. Está em constante movimento e sua construção nasce da observação comportamental dos seres humanos, segundo o ordenamento das ordens do amor9. Está a serviço da reconciliação em todos os seus aspectos, especialmente, para unir o que está apartado, com o escopo de estabelecer relações sustentáveis. Olha as polaridades como um atalho para o crescimento comum humano; sem julgamentos ou suposições, mas como uma forma de caminhar para o “mais”. Suas Leis – Pertencimento (todos pertencemos a grupos, sendo o primeiro e fundamental o grupo da família), Hierarquia ou Ordem/Precedência (respeito a quem chegou primeiro em todas as relações), e do Equilíbrio entre o dar e o receber (as relações em regra devem ser equilibradas) – não possuem o dinamismo que as leis do Direito possuem, pois não variam em decorrência do comportamento humano social. Ao contrário, permanecem inalteráveis no tempo e no espaço. São leis naturais e universais; atuam como uma força através de um campo invisível, idêntico às forças da gravidade, influenciando o comportamento humano independentemente ou não do nosso querer. Isto porque, impera em todo o ser humano um amor único e genuíno; que conecta tudo e todos; e que nos une por vínculos indissociáveis. Rupert Sheldrak10 fala de um campo mental ou uma mente ampliada, que chamou de “extentend mind”, onde no interior do campo cada um está em ressonância com todos e, vinculados por um amor natural de sobrevivência e equilíbrio. É uma ciência empírica, pois pautada em observações e, fenomenológica – do grego phainesthai – aquilo que se apresenta ou que mostra.

Por oportuno, a distinção acima resta caracterizada nas palavras do jurista, Julius V. Kirchmann11: o sol, a lua, as estrelas brilham hoje da mesma forma que há milhares de anos; a rosa desabrocha ainda hoje tal como no paraíso; o direito, porém, tornou-se desde então diferente. O casamento, a família, o Estado, a propriedade, passaram pelas mais diversas configurações. Vale dizer que, enquanto o Direito está permanentemente adequando as suas leis à evolução do comportamento humano e criando regras sociais, o Direito Sistêmico se coloca a serviço da vida. Seu papel primordial é ampliar a consciência humana através de percepções que levem o ser humano a vivenciar, experienciar e compreender os aspectos do mundo do qual faz parte e, também, do seu mundo interior. A expansão da consciência através da compreensão de como atuam as leis do amor, nos permite compreender os porquês, as causas e os efeitos do que acontece em nossa vidas; nos traz para o aqui agora, e nos faz perceber com clareza que o passado influencia o presente e, o presente organiza o futuro. Com isso, naturalmente o comportamento humano vai sendo ressignificado; novas relações vão sendo formadas; mais adequadas e sustentáveis.

O direito possui caráter punitivo para os que se distanciam de suas normas e regras e, de modo geral, acabam por causar algum dano e ou prejuízo a alguém ou muitos. Este caráter punitivo, tem como objetivo desestimular o agente lesante de novas práticas lesivas da mesma espécie e ou diversas. São diversos, os modos punitivos adotados por cada ordenamento jurídico, variando, de país para país. Portanto, a sua aplicação é limitada à sua própria organização social. Eventualmente, poderá servir de comparação a outros países como inspiração à novas ordens e ou regras que visem estabelecer a melhor ordem comportamental. Suas ordens e leis visam, de modo geral, garantir a todos: os mesmos direitos, deveres e obrigações e, em caso de conflito o poder judiciário se coloca a serviço, pondo fim a controvérsia, através de uma sentença judicial.

O Direito Sistêmico, como uma ciência viva e em movimento, não se vale de qualquer tipo de punição, caso as leis sistêmicas não sejam respeitadas; pois o seu estudo e prática tem como base o NÃO JULGAR e, sem julgamento, não há punição. Não há certo ou errado, justo ou injusto, bom ou mau. Cada indivíduo é considerado como pertencente a um todo que se estende além de si mesmo para incluir todo o seu sistema familiar, ainda que a sua origem seja desconhecida. Parte-se do princípio de que a partir da concepção recebemos não só uma carga genética, mas também uma carga emocional dos nossos pais e ancestrais que criará em nossas vidas, um campo vinculante de compensação, caso as leis sistêmicas do pertencimento, hierarquia e o dar e receber, tenham sido desrespeitadas. Desalinhar-se deste ordenamento universal faz com que o fluxo do amor seja interrompido e, automaticamente, vai se criar um campo de compensação – restauração- objetivando o realinhamento novamente das leis do amor. Se este desalinhamento não for restaurado em uma geração, transfere-se para a geração futura esta obrigação. Assim e de caminho ao nos depararmos com um conflito, nossa atenção se volta para a seguinte pergunta: Onde está o amor? Em que ponto da história familiar ele foi interrompido? Para onde olha o amor desta pessoa? Quem ela está compensando ou imitando? De modo que, ao invés do julgamento traça-se um caminho de compreensão do porquê daquele comportamento. De outro prisma o Direito Sistêmico reconhece não só o poder da autorresponsabilidade, mas da responsabilidade por atos incompatíveis e apartados do ordenamento jurídico que regem a nossa sociedade.

Conclusão

Como visto, pelas comparações acima, podemos afirmar que o Direito Sistêmico nasce como um dos meios adequados na resolução dos conflitos, sem, contudo, afrontar o conjunto de normas, condutas e princípios, criados por cada uma das sociedades existentes em todo o nosso planeta. O seu estudo e prática nos permite observar uma cadeia de conflitos – oriundos dos relacionamentos que se afastaram dos princípios das leis universais – e que, de modo secreto e sincronizado forçam uma compensação, até que alguém (um ente familiar ) pare e olhe para sua história familiar; reconheça o desequilíbrio, respeite e, seja grato por fazer parte dela. É de bom alvitre, que se pontue que, para auxiliar na resolução do conflito, o seu operador, antes de tudo, necessita dominar as leis e o ordenamento jurídico do qual está inserido, sob pena de criar mais conflitos. O Direito é, e sempre será, soberano em seu modo organizacional, servindo o Direito Sistêmico, através do estudo e vivencia da Filosofia Sistêmica, quiçá como uma fonte de inspiração de criação de novas leis que possam, a partir de suas experiências elevar a sociedade, como um todo, a um patamar de consciência, oriundo de um comportamento funcional produtivo: se é bom para todos é bom para mim; se serve para todos, serve para mim; se todos ficam bem, eu também fico.

1   Introdução à Ciência do Direito. 29. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.989.p.23.

2  https://direitosistemico.wordpress.com/

3  https://pt.wikipedia.org/wiki/Bert_Hellinger

4  Resolução 125/2.010 do CNJ: Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade. Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, (…) antes da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão. (grifo nosso).

5  Novo Código de Processo Civil. Parágrafo 3º. Do seu artigo 3º.: A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. (grifo nosso)

6  OCE:sigla de autoria da autora para descrever um dos modus operandi de atuação que constituem a chamada postura sistêmica sigla de autoria da autora para descrever um dos modus operandi de atuação que constituem a chamada postura sistêmica. Trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em Constelação Familiarcom enfoque no Direito em coautoria com Eunice Schlieck.

7  Hellinger, Bert. Ordens da Ajuda; tradução de Tsuyuko Jinno-Spelter- Goiânia – Goiás, Ed.Atman, 2.013.

8  Introdução ao estudo do Direito. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.987. p. 23

9  Hellinger,Bert. Ordens do Amor. Um guia para o trabalho das constelações familiares: Tradução Newton dde Araújo Queiroz; revisão Técnica Heloísa Giancoli Tironi, Tsuyuko Jinno-Spelter, São Paulo, Ed. Cultrix, 2007.

10  https://www.sheldrake.org/espanol/resonancia-morfica-y-campos-morficos-una-introduccion

11  ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução de J.Baptista Machado. 6. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p.16 onde cita Julius V. Kirchmann.

Bibliografia

1- Hermes Lima: Introdução à Ciência do Direito. 29. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.989.p.23.

2- “Direito Sistêmico” expressão cunhada por Storch, Sami.: https://direitosistemico.wordpress.com/

3- Hellinger, Bert. Biografia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bert_Hellinger

4- Conselho Nacional de Justiça Resolução de número 125 de 2.010, artigo 1º.

5- Novo Código de Processo Civil Brasileiro, artigo 3º. Parágrafo 3º.

6- Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação em Constelação Familiar com enfoque no direito, em coautoria com Eunice Schlieck.

7- Hellinger, Bert. Ordens da Ajuda; tradução de Tsuyuko Jinno-Spelter- Goiânia – Goiás, Ed.Atman, 2.013.

8- Paulo Nader, Introdução ao estudo do Direito. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.987. p. 23

9- Hellinger,Bert. Ordens do Amor. Um guia para o trabalho das constelações familiares: Tradução Newton dde Araújo Queiroz; revisão Técnica Heloísa Giancoli Tironi, Tsuyuko Jinno-Spelter, São Paulo, Ed. Cultrix, 2007.

10- Hellinger, Bert. Conflito e Paz: uma resposta; Tradução Newton A. Queiroz – São Paulo, Cultrix, 2.007, p. 17.

11- ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução de J.Baptista Machado. 6. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p.16 onde cita Julius V. Kirchmann.

Revisión general
5 estrellas
SUMMARY
5.0

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

© 2024 | miradasistemica.com